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Sobre Arquitetura Gótica

O que gostamos é sublime, ainda assim tem garras, morde e estarrece ao primeiro olhar…

“Enquanto o classicismo e os ideais da luz são orientados para as regras, a ordem e o coletivo, a tradição gótica se preocupa com o único: gênio, desvio e originalidade. Uma vez que o lado negro enfatiza o único, seus praticantes sempre correram o risco de perseguição, como ocorreu durante as várias histerias de caça as bruxas ao longo dos séculos.” Dr. Thomas Karlsson

Esta “post” surgiu de algumas observações bastante singulares daquilo que se fala nas redes sociais de alguns eventos que vemos por aí na capital paulista que usam o “gótico” como um adjetivo para oferecerem algo completamente avesso ao mesmo.

Calma! Não é um post chato sobre se a banda ou o músico tal é gótico mesmo – e nem daqueles sobre besteiras identitárias (sem qualquer funcionalidade)que há 9 anos só levaram o contexto gótico brasileiro a elegerem culpados e bodes expiatórios; diferentemente de seus primos chilenos e argentinos ou ainda dos europeus que ao invés disso organizam grandes festivais para celebrarem a tudo isso.

Mas vamos falar de um padrão de comportamento onde se estabelece um recorte do contexto, interpretado por um viés antagônico, onde se afirma um recorte como a totalidade daquele meio e para sua manutenção se investe em didáticas de projeção de culpa e pequenas violências como calúnia, difamação e afins as pessoas do próprio contexto que não compartilham daquele segmento ou recorte. Em relação a isso já escrevi anteriormente que:

“No Brasil aparentemente há uma evidente e tocante politização e doutrinamento desnecessário no que diz respeito ao gótico em diversos sentidos. A cada ano que passa mais e mais se remove seu tom adjetivo, simbólico e conotativo em nome de algumas regras e modelos antagônicos a sua natureza vindos do MHD (Materialismo Histórico Dialético) e de patifarias populistas da chamada Escola de Frankfurt (tão ou mais insanas quanto a cientologia) da chamada esquerda festiva nacional. Ao invés do mistério, esplendor, estética de desvio e genialidade artística (comprovada nas bandas, nas artes e nas letras) preferem afirmar como identidade  algo meio birrento, superficial e cheio de dissabor, melindre e rancor – sai a arte e fica a transitória popularidade a qualquer custo. Territorialidade e belicosidade repleta de “petardos” que só evidenciam o despreparo e oportunismo. Um evidente esvaziamento de sentido do gótico para se relocar e ocupar com atributos dispensáveis e sem qualquer relação ao seu contexto.” Lord A:., Autor Internacional, Conferencista, Dj e produtor de eventos.

O tal do Gótico não foi inventado ou criado aqui no Brasil (é algo transregional e atemporal) mas aparentemente tem proprietários e donos demais, agindo como bedéis escolares ou colegiais melindrados que só falam com uns desde que estes não falem com aqueles outros, pois não são “verdadeiros” no final das contas.

Felizmente sabemos que tais excessos  são um padrão de comportamento que pertence só a alguns “comerciantes” e “prestadores de serviço” para garantirem o seu . A maior parte do público e da audiência não dá a mínima para nada disso – existindo muitas cenas e contextos sem nenhuma uniformidade, homogenidade ou generalização que passam distantes do stalinismo cultural que tentam imporem por aqui. Já tentaram manifesto, cartilha, justificarem a “verdade” com tempo de cena e outras tantas. O que frustra bastante os tais bedéis em questão e suas doutrinas que pouco ou nada tem a verem com a expressão observada na estética, nas letras de músicas, nas posturas e produção cultural apreciada por todos que curtem o amplo contexto gótico.

Existem dois temas que são alvo de confrontos épicos quando o assunto é o “gótico”: A “Arquitetura” e o que chamaremos de “Fashionismo”.  

A maior parte do barulho e do ruído em torno de ambos os temas orbitam em torno do “ver quem manda e de quem é o maior” no seu grupinho. Arquitetura e Fashionismo transcendem o manifesto e o alcance dos “mandões” de tais grupinhos. Eles dizem Tal arquitetura não é gótica porque sabemos da “verdade” e mesmo que algo vago como uma “cultura dominante” nomeie de gótico, nós sabemos que não é porque somos mais “puros” e temos a “verdade” é o que dizem. Um tal de apóstolo Paulo fez algo muito parecido com seu evangelho repleto de dissabor há muito tempo atrás.  Toda a  arbitrariedade, a ideologia, o dogma e a intolerância dos bedéis e donos da verdade ilustram a própria impotência deles e dos recortes que fazem e tentam impor a uma pequena roda de amigos como “verdade absoluta da verdadeira…verdadeira cena mesmo!” Entendeu como opera tal padrão?

Tudo isso não passa de belicosidade para manter uma territorialidade, primatas e seus “flatulentos petardos” se importando em mostrar quem manda mais apelando para a transitória e líquida “popularidade” e o tal do “manter as aparências”. Castelos de areia na beira do mar ou ainda de cartas. Suas fachadas encenam que são vítimas e crianças flores para a seguir justificarem a violência que irão cometer em “nome de algo” ou em “nome de quem” para salvar ou preservarem o “gótico”- mas que no fundo nada mais é do que sua própria impotência em não poder fazer do seu objeto de afeto a sua imagem e semelhança. Como são donos da culpa tentam a colocar sempre nos outros. Qualquer evidência ou menção a algo mais artístico, criativo ou ligado a fantasia, personagens ou máscaras mexe com o brio e atiça doses maciças de recalque e negação compulsiva deles – não aguentam o tranco de reconhecerem o que também são, vestem e exercem nada mais é do que uma fractal do contexto. O que há de errado em ser parte ou fractal e do contexto não ser feito a sua imagem, semelhança e regras?Aliás ele é bem vasto desde o medieval ao “cholo gothic” e o cyber ou futurista distópico – sem regras!

Inclusive a questão do “fashionismo”, vestimentas e afins do gótico contemporâneo tem suas origens e principais influências no trabalho de Fred H.Berg da celebrada revista PROPAGANDA (leia esta outra entrevista) ainda neste contexto das 4 décadas do fashionismo gótico, sugerimos que assistam o video e o artigo com a criativa Lisa Ladouceur. Estes conteúdos a seguir lhe oferecem uma visão mais ampla e formativa deste outro lado – que aparentemente não querem que vocês conheçam.


Dr. Thomas Karlsson é PhD na Universidade de Estocolmo na Suécia, pesquisador e autor de diversos livros publicados por lá e também é letrista da banda Therion

Arquitetura Gótica é um tema interessantíssimo! Para tocar apropriadamente no assunto lhes ofereço um trecho de minha entrevista com o Doutor e PHD Thomas Karlsson, da Universidade de Estolcomo (vocês podem ler a entrevista na íntegra aqui)

Lord A:.  Thomas, como você vê o uso do termo gótico nos dias de hoje usado para designar estéticas contemporâneas desprovidas e até mesmo sustentando um tom antagônico ou ainda usada sem qualquer relação alguma com os povos Godos e Visigotos ou da distante Gottland?

Thomas Karlsson: Devemos aceitar algumas tendências e a subcultura gótica de hoje oferece muita coisa boa. Pode funcionar como uma semente para uma compreensão mais profunda dos mistérios góticos dos nórdicos. Para a maioria será apenas uma atitude subcultural, mas para alguns leva à uma compreensão verdadeira.

Os góticos nórdicos (Godos) não eram vistos em termos positivos. Na história européia, os godos foram vistos principalmente como um povo sombrio, perigoso e destrutivo. Eles eram considerados bárbaros, e “o gótico” era algo escuro e primitivo. Durante o Renascimento, os godos representaram o declínio cultural da Idade Média. O gótico é visto como o oposto direto da civilização antiga e os ideais clássicos da beleza.

O conflito entre o gótico e o clássico continua ao longo da história cultural do ocidente. Os ideais clássicos se fundamentam na clareza, razão, luz, leis e estruturas. Os ideais góticos são metafísicos e construídos de visões arcaicas, sonhos, trevas e sombras, inspiração e obsessão. Na tradição lírica, o classicismo é caracterizado por uma visão pragmática da poesia que enfatiza regras e habilidades práticas, enquanto o gótico se funde com uma visão metafísica da poesia em que o conteúdo é mais importante do que a forma. Na arquitetura, a palavra “gótico” tornou-se um termo pejorativo usado para descrever uma tradição de construção de igreja medieval. Primeiros exemplos disso são as catedrais de Colônia, Estrasburgo e Notre Dame, com seu estilo grandioso e pontiagudo.

O conflito entre o gótico e o clássico continua ao longo da história cultural do ocidente. Os ideais clássicos se fundamentam na clareza, razão, luz, leis e estruturas. Os ideais góticos são metafísicos e construídos de visões arcaicas, sonhos, trevas e sombras, inspiração e obsessão.

Embora o estilo provavelmente se originou na França do século XII, foi pejorativamente chamado de “gótico” ou “alemão”. Com seu estilo pontudo, a tradição gótica do edifício foi associada à natureza selvagem ou indomada. Edifícios góticos foram comparados a pingentes de gelo, enormes árvores antigas e cavernas com estalactites e estalagmites. De acordo com a estética clássica, o gótico representava algo insípido e invadido, ameaçador e aterrorizante. Intelectuais alemães do século XVIII, como Herder e Goethe, reavaliarão mais tarde a estética gótica e a arquitetura gótica de uma maneira muito mais positiva.

No entanto, a tradição gótica permaneceu ligada à natureza selvagem e ao terrível. Durante o século XIX, o romantismo das ruínas estava ganhando prevalência em certos círculos artísticos. As representações resultantes incluíram elementos tais como sepulturas e túmulos e igrejas góticas cobertas de plantas, fundindo com natureza indomável sob a lua cheia. Caspar David Friedrich e Arnold Böcklin foram dois dos principais representantes deste romantismo de ruínas. O gótico se relacionava com a ideia romântica do sublime. O sublime se referia a uma impressão grandiosa da mente que inspirava medo, mas também fascínio.

O sublime se referia a uma impressão grandiosa da mente que
inspirava medo, mas também fascínio

O estilo gótico também entrou na literatura. Os romances góticos ingleses fizeram referencia a um “terror entusiasmado”, e os ideais classicistas puros, estruturados e estruturados da luz foram evitados. Em vez disso, esses artistas procuraram a imagem de deuses, demônios, infernos, espíritos, almas, encantamentos, bruxaria, trovões, inundações, monstros, fogo, guerra, praga, fome e assim por diante. Acreditava-se que o temor Sublime era capaz de fornecer o homem um conhecimento sobre uma realidade maior que não poderia ser preso dentro dos limites da razão.

Edmund Burke era um filósofo principal desta corrente, e as escritas literárias importantes incluíram os poemas de Edward Young “Pensamentos da noite” (1742) e de Robert Blair “a sepultura” (1743). As ruínas tornaram-se altamente populares como um elemento no paisagismo e surgiu a necessidade de construir ruínas novas e artificiais, já que as existentes não eram suficientes. A ruína simboliza o ciclo da natureza e como as forças da natureza e do caos acabam aniquilando ideais e construções humanas. Na Qabalah podemos reconhecer os princípios da ruína sob o nome Qliphoth.

A polarização entre o classicismo e o gótico representa a polarização entre a magia negra e a magia da luz. A magia da luz baseia-se na racionalização e numa idealização da razão. Tanto a Qabalah judaica como as formas “leves” da maçonaria se esforçam para estabelecer uma geometria sagrada a partir da qual o Templo de Jerusalém será reconstruído. Desta perspectiva, as forças escuras da ruína são naturalmente vistas como ameaçadoras. Em uma cosmovisão cabalística, são os poderes escuros e Qlifóticos que estão destruindo o Templo de Jerusalém. O Templo de Jerusalém é um símbolo do poder totalitário de Deus. O lado da luz representa generalizações matemáticas e geométricas; O lado negro representa os fractais eo elemento caótico da matemática do caos.

O classicismo se esforça para imitar uma natureza simplificada e controlada, com o jardim geometricamente projetado como um padrão. Para essa concepção da realidade, os ideais irracionais do gótico parecem uma expressão de mau gosto. Quando a visão para a natureza muda, quando o homem se torna consciente dos elementos de torção do crescimento selvagem e começa a explorar as fendas desabitadas e precipícios das montanhas, um respeito pelas qualidades estéticas da tradição gótica é recuperado. Os arquitetos do castelo abandonam então as estruturas geométricas clássicas a favor da irregularidade. As árvores disciplinadas tornam-se selvagens, o gramado se torna um campo, a piscina torna-se um lago eo caminho do jardim se torna uma trilha sinuosa para o filósofo pensativo, onde ele caminha sozinho e imerso em seus pensamentos melancólicos.

Quando a visão para a natureza muda, quando o homem se torna consciente dos elementos de torção do crescimento selvagem e começa a explorar as fendas desabitadas e precipícios das montanhas, um respeito pelas qualidades estéticas da tradição gótica é recuperado.

Esta visão da natureza está ligada aos ideais da corrente draconiana. O afastamento do que é podado e estruturado é um reconhecimento de que o caos está reconquistando o Jardim do Éden e que o Dragão acorda novamente. Enquanto o classicismo e os ideais da luz são orientados para as regras, a ordem e o coletivo, a tradição gótica se preocupa com o único: gênio, desvio e originalidade. Uma vez que o lado negro enfatiza o único, seus praticantes sempre correram o risco de perseguição, como ocorreu durante as várias histerias de caça as bruxas ao longo dos séculos.

Enquanto o classicismo e os ideais da luz são orientados para as regras, a ordem e o coletivo, a tradição gótica se preocupa com o único: gênio, desvio e originalidade. Uma vez que o lado negro enfatiza o único, seus praticantes sempre correram o risco de perseguição, como ocorreu durante as várias histerias de caça as bruxas ao longo dos séculos.

(Trecho da entrevista com Dr. Thomas Karlssonvocês podem ler a entrevista na íntegra aqui)


Este trecho da entrevista motivou algumas edições do nosso programa semanal VOX VAMPYRICA que ficaram conhecidas como “ARCO GÓTICO: A história que não querem que você saiba” onde através das obras do próprio Thomas e outros ilustres autores como Edred Thorsson, Dr. Stephen Flowers, Susan Ackërman e muitos outros oferecemos outros olhares sobre este adjetivo gótico e suas influências estéticas e criativas bastante vastas e que dialogam desde com a origem da ficção científica a outros gêneros limiares do imaginário e da estética ocidental. Mais amplo, mais relevante e mais vasto e funcional do que o que fazem dele em nome de territorialidade e belicosidade no brasil. Depois deste artigo podemos até brincar: “Diga-me o que lhe é gótico, que te direi quem tu és!” 😀


 

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