História Sangrenta: O Massacre de Lisboa de 1506

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História Sangrenta: O Massacre de Lisboa de 1506

Certa vez, pesquisando sobre massacres e ondas de violência que aconteceram com uma determinada motivação, acabei descobrindo alguns padrões, alguns elementos em comum, ainda que tenham acontecido em épocas diferentes, às vezes com até mesmo séculos de distância, mas sempre com alguns elementos em comum. Não é assustador e ao mesmo tempo incrível imaginar que grandes fatos históricos se repetem ao longo dos séculos, com nomes diferentes, em culturas e épocas diferentes, mas sempre com os mesmos elementos?

Hoje, meu caro leitor, eu o convido para acompanhar esta série de artigos que comecei a desenvolver em abril deste ano. Os aspectos em comum entre todos estes casos que lerão a partir de hoje, serão revelados no último artigo desta série. Por quê? Porque eu tenho certeza de que até lá vocês já vão ter descoberto os “ingredientes” que cada uma destes tristes fatos históricos tem em comum (ou pelo menos parte deles).

Artigo #1 – O Massacre de Lisboa de 1506

Um dos primeiros casos com qual me deparei. Até então eu não imaginava que algo semelhante havia acontecido neste período da História, porque apesar de serem nossos colonizadores, pouco sabemos sobre a História de Portugal, não é mesmo? A não ser que você vá atrás de conhecer mais a fundo, pouco nos é contado devido a algumas determinadas diretrizes.

Pois bem. Fiquei perplexa devido à crueldade cometida por ditos cristãos contra judeus, que naquele momento na História, eram considerados hereges.

Este massacre teve seu início em 19 de Abril de 1506, durante uma missa de um domingo de Páscoa, no Convento São Domingos em Lisboa, Portugal. Uma multidão composta por católicos romanos e marinheiros estrangeiros, perseguiu, torturou, matou e queimou na fogueira centenas de judeus que eram acusados de serem hereges e cometerem deicídio.

Este lamentável episódio aconteceu 30 anos antes da Inquisição chegar às terras portuguesas e nove anos após os judeus serem forçados a se converterem ao catolicismo romano para não serem expulsos do país.

O Início

A carnificina começou quando alguns fiéis desesperados estavam na igreja do Convento São Domingos, fazendo preces pelo fim da seca e da epidemia de Peste Negra que varria o país ou por um sinal de Deus para acalentar os corações daqueles que por não ter muitas posses não poderiam deixar o país. Em determinado momento da missa, um dos fiéis alertou aos outros que olhassem para o crucifixo que havia no altar e todos viram ele se iluminar – um fenômeno que só podia ser explicado pelos católicos daquela época como sendo um sinal de Deus, um milagre, uma resposta para as suas preces. Boa parte dos cristãos ali presentes, novos e velhos, ficaram muito contentes quando viram o fenômeno se repetir poucos minutos depois. Era o sinal que aguardavam, a resposta para as suas preces!

Mas, nem todos acreditavam que fosse mesmo uma resposta divina.

Massacre_de_lisboaNesta mesma missa, havia um homem que fazia parte do grupo dos judeus que haviam sido convertidos à força. Estes cristãos eram chamados de cristãos-novos e eram vistos com desconfianças pelos cristãos-antigos mais radicais. Pois bem. Este rapaz teve a ousadia de dizer que na verdade aquele brilho era nada mais, nada menos, do que o reflexo da luz emitida de um dos candelabros. Ao ouvirem isto, os cristãos-velhos que participavam da missa o arrastaram para fora da igreja, onde ele foi espancado até perder a consciência.

Deixado prostrado no Largo de São Domingos, o rapaz foi reconhecido pelo seu irmão, que se debruçou sobre o seu cadáver, chamando por aqueles que haviam feito aquilo e que sem pensar duas vezes também o espancariam até que ele perdesse a consciência e queimariam seu corpo junto com o do irmão numa fogueira que prontamente foi acesa pela multidão enlouquecida.

Enquanto os fiéis ainda estavam em volta da fogueira, dois frades dominicanos se aproximaram e inflamaram ainda mais o clima, passando um sermão completamente antijudaísmo e prometendo a absolvição dos pecados cometidos por todos os cristãos-velhos nos últimos cem dias para aqueles que ajudassem a destruir o “povo abominável”, no caso os cristãos-novos, os judeus.

E quem conseguiria pensar racionalmente numa época em que a Peste Negra dizimava centenas? Quem não tinha cometido pecados, tentando sobreviver a uma das maiores epidemias da História? Quem conseguiria deter um grande massacre, uma vez que o rei D. Manuel I e toda sua corte havia fugido de Lisboa e da peste, deixando apenas um pequeno grupo de autoridades na cidade?

A Histeria

Mal o sermão havia acabado, a população e também queles marinheiros que haviam inadvertidamente invadido a cidade, rapidamente se espalharam pelas ruas de Lisboa, à caça dos cristãos-novos. Todos os que eram suspeitos de serem judeus recém-convertidos, por vontade própria ou não, eram levados para a fogueira – estivessem eles vivos ou mortos. A carnificina virou a noite e continuou no dia seguinte, ainda mais violenta, com mais pessoas aderindo ao movimento antijudaísmo em troca de absolvição de seus pecados, clamando pelo extermínio dos “hereges”.

Agora eles não matavam apenas os cristãos-novos encontrados nas ruas, mas também os arrancavam de suas casas e também das igrejas, juntamente com suas esposas e filhos e eram queimados em praça pública. Isso mesmo o que você leu, meu caro leitor, nem mesmo as crianças eram poupadas. Elas eram desmembradas ou despedaçadas quando atiradas contra as paredes.

A multidão aproveitava para saquear as casas, roubando todos os objetos de valor que poderiam levar. Mais de 1000 pessoas foram mortas neste dia e há registros de que não só os judeus conversos foram mortos. Todos que eram acusados de heresia, fossem o que fossem, tiveram o mesmo destino dos cristãos-novos.

O Fim

Quando o rei D. Manuel I soube do que estava acontecendo, despachou imediatamente magistrados para darem fim ao derramamento de sangue.

Na terça-feira, 21 de abril, os cristãos-novos, assim como aqueles marinheiros estrangeiros que lá haviam aportado, já tinham matado mais de duas mil pessoas. Alguns cristãos-novos tinham se livrado da morte, escondendo-se nos porões das casas de pessoas honradas e que não tinham sido acometidas por tamanha fúria. Na tarde deste mesmo dia, chegaram à cidade o prefeito Aires da Silva e o governador D. Álvaro de Castro, mas já estava quase tudo acabado. Informaram ao rei, que imediatamente enviou o Prior do Crato (D. João de Meneses, O Trigo) e o Barão de Alvito (D. Diogo Lopo), que tinham autorização para castigarem os criminosos.

Nos dias seguintes, muitos portugueses foram presos e enforcados e alguns outros tiveram suas posses confiscadas pela Coroa. Os estrangeiros voltaram para as suas naus e fugiram com o que haviam conseguido saquear.

Os dois frades dominicanos que tinham incitado o massacre, foram despojados de suas ordens religiosas e queimados na fogueira, exatamente como tinham feito com tantos seres humanos.

O Massacre de 1506, também conhecido como Pogrom de Lisboa ou Matança da Páscoa de 1506, não é citado nos livros de História de Portugal e talvez tivesse caído no esquecimento se não tivesse sido descrito, reproduzido e imortalizado pelas palavras de Damião de Góis (em sua Chronica do Felicissimo Rey D. Emanuel da Gloriosa Memória), Alexandre Herculano, Garcia de Resende, Salomon Ibn Verga (testemunha do massacre) e Samuel Usque.

Após muitos séculos deste terrível massacre fundamentado na intolerância e ignorância religiosa, em 2008 foi erguido um monumento no Largo de São Domingos como um pedido de desculpas a todos aqueles que não conseguiram salvar. Vale ressaltar que este local é ainda nos dias de hoje um tradicional ponto de visitação de turistas, havendo ali também um outro monumento, um muro onde a frase “Lisboa, cidade da tolerância” está grafado em mais de 34 idiomas para deixar bem claro que a intolerância e o fanatismo religioso não serão mais aceitos na cidade.

monumento-massacre-Lisboa-1506

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