“Priest” – um faroeste-futurista com vampíros?

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“Priest” – um faroeste-futurista com vampíros?

Apesar de todo “oba-oba” na internet que rodeava a produção de Priest, considero que ele ficou “aquém” do esperado.Por gentileza, não me leve a mal por este comentário inicial, existem bons momentos na película e um certo humor negro que equilibram a história do super-padre caçador de vampiros – há também um “q” de antiherói no personagem título que o levará a questionar a instituição religiosa corporativa que integra e se rebelar contra seus ditames e padrões dissociativos de conduta do rebanho.

O universo vampírico de “Priest” é bem interessante, logo na abertura, através de uma animação é contado sobre uma guerra atemporal de “cavaleiros” contra vampiros através dos tempos.A guerra destruiu os recursos naturais do planeta e boa parte da sua população.Logo, a igreja criou cidades-fortalezas e assumiu um caráter tecnocrático de comando das massas:”Se você está contra a Igreja, está contra Deus…” como vemos nos alto-falantes da cidade, no horário que todos cidadãos devem obrigatóriamente confessarem-se com os padres através de computadores.Um lugar pouco convidativo de se viver…E um retrato bem interessante de possibilidades futuras que abordaremos no subtexto ao final desta resenha.

Os “Priests” ou sacerdotes e sacerdotisas foram super-guerreiros que nasceram humanos mas dotados de dons como ampliação de sentidos e reflexos, força e vigor mais elevados que um humano normal e se tornaram a principal arma a varrerem os vampiros da existência.Depois de cumprirem tal missão, foram dispensados pelo mundo em profissões pouco honrosas pela própria igreja do filme.Pairava uma crença que não existiam mais vampiros e a necessidade destes guerreiros havia sido extinta.Particularmente penso que no contexto futuro apocalíptico e guerreiros-santos consagrados a combater vampiros, a série de livros Bento, Vampiro-Rei 1&2 do autor André Vianco foi muito mais criativa e empolgante – além do apêlo mais realista nas situações vivenciadas pelos personagens.Resta sonhar para que algum estúdio se enamore desta obra.

Bom, vamos entrar na história do filme agora…

Neste e nos próximos 2 parágrafos abaixo haverão alguns “spoilers, então pule para o subtítulo em negrito abaixo para voltar ao texto opinativo. A história se inicia com os pesadelos do personagem-título que lhe recordam dos tempos de glória e do auge da eterna guerra contra os vampiros.Numa destas batalhas, houve um final trágico, seu melhor é arrastado para a escuridão pelos vampiros e provavelmente morre…No presente da narrativa, uma família é massacrada e uma linda jovem é raptada pelos vampiros; aparentemente ela é sobrinha do personagem-título e será o gancho que unirá os outros personagens da trama.O xerife do vilarejo distante onde ela morava, que irá procurar o tio dela e posteriormente uma “padre” mulher, talvez o termo “sacerdotisa” e “sacerdote” fosse mais apropriado.

Ao longo de muitas aventuras o trio de protagonistas virá a se reunir e desvendar que os vampiros e sua rainha ainda existem e que têm um plano macabro para invadirem a cidade principal do filme e transformarem seus habitantes numa nova raça híbrida humana e vampira.Aqui temos algo interessante, os vampiros aparentemente são uma outra espécie, deformados, sem rostos e dignos de filmes de ficções-científicas menores.Lembram um pouco os demônios do filme Constantine.Eles têm uma rainha, gigantesca e inhumana.E claro, são bestas sanguinárias que se alimentam de sangue…o que os torna digno da grande piada do filme: “Ponto 1 você tem que querer matar um vampiro…Ponto 2 você mata o vampiro…” eles não vão fazer falta mesmo…

Mas toda história demanda um vilão, de preferência um traidor sofisticado e bastante sórdido que surgirá na figura daquele “melhor amigo” do personagem-título que se deu mal logo no começo.Falamos dele dois parágrafos acima.Ele sobreviveu, tomou o sangue da rainha e raptou a donzela, sobrinha do Priest igualmente mencionada acima.Teremos combates bem interessantes e certo drama até o final do filme.Embora, faltem grandes surpresas ou reviravoltas inesperadas.Bom, encerro por aqui os “spoilers”.

SERÁ QUE A IGREJA ESTÁ CARENTE E DESESPERADAMENTE PRECISANDO DE HERÓIS CINEMATOGRÁFICOS PARA RECUPERAR-SE DAS CRISES DE IMAGEM RECENTES?

Tenho acompanhado que desde o ano passado tivemos uma maré de filmes de fantasia, terror ou de ficção preocupados em exaltar heróicamente personagens objetivamente ou subjetivamente ligados ao catolicismo e sua mítica – Priest – vêm apenas a ser mais um dos heróis religiosos desta atual safra.Há poucos meses atrás tivemos o lançamento do filme “Ritual” protagonizado pelo célebre Sir Anthony Hopkins que encena um padre exorcista que virá a ser possuído pelo próprio Baal.O filme também trabalha com um contexto extremamente atual que marcou a re-abertura do curso de exorcismo clássico do Vaticano e marcantes desastres ambientais que ocorreram na europa em 2010.

Um pouco antes da produção “Ritual” tivemos também o medievalesco “Caça as Bruxas” protagonizada por Nicholas Cage, que narra a história fantasiosa da descoberta do Legemeton e coloca a igreja e seus cruzados como heróis na luta contra o mal.Antes ainda tivemos a adaptação cinematográfica de “Salomon Kane – Caçador de Demônios” um puritano do século XVII que após ter sido um pecador, torna-se um matador de demônios da igreja.Antes disso tivemos bastante (e desastrosos) filmes sobre exorcismos, inspirados em casos reais e afins.Para mim, no caso de filmes de exorcismos só aceito “O Exorcista” aquele mesmo com a Linda Blair, por ser um clássico do terror e o “Ritual” com o Anthony Hopkins, por ser o primeiro filme inteligente deste incomun segmento…

Respondendo diretamente a pergunta deste subtítulo, penso que após os numerosos e recentes escândalos de pedofilia, politicagens e muitas outras baixarias – a imagem pública da igreja católica tenha ficado bastante arranhada perante os fiéis e adeptos de outras religiões no mundo todo – logo esta nova safra de filmes que exaltam seus aspectos heróicos e nobres, seja uma medida política de recomposição da imagem abalada.O que não tem nada demais e até pode ser considerado saudável – pois como em toda instituição humana, há pessoas acertadas e pessoas desajustadas, seria injusto e inquistorial generalizar todos integrantes baseado nas condutas irregulares e criminosas de uns poucos.

No entanto temos que reconhecer que um credo ou um dogma baseado na separação ontológica entre criador e criatura nos remete não a uma comunhão com o transcendente e sim a uma convivência social entre irmãos e depois para com Deus – que não são a mesma coisa, por assim dizer.O que difere bastante da ethos orientalizada que vêm ganhando bastante espaço entre as gerações mais novas – onde a distinção criador e criatura inexiste e a submissão social ao que se considera ou se imagina como sagrado é questionável.

Na tradição religiosa ocidental, quando nos voltamos voltamos para sí, o sagrado não existe dentro de nós – está do lado de fora; a alma humana pode não estar num relacionamento apropriado com o criador, a natureza e o ecossistema são apresentados como corruptos, desde o tal do pecado original.Você cai em pecado porque crê-se que você tem uma obrigação de responsabilidade para com Deus e que deve obdecer algum tipo de lei que imagina ter sido promulgada por ele.Estas leis são administradas e conduzidas por uma instituição composta de grupos sociais hierarquizados e eclesiásticos – cujo as recentes descobertas científicas e históricas os rodeiam constantemente e levam a um profundo questionamento de seus dogmas.Logo somos privado de um contato com inefável ou o sagrado senso da divindade, somos guiados neste campo meramente por compromissos sociais e hierárquicos de obediência a instituição e seus princípios – e as afirmações artificializadas destes grupos, dificilmente encontra respaldo em nossas experiências pessoais com o sagrado ou uma realidade não-ordinária…fica aqui uma lacuna que desafia a validade do projeto humano…

Curiósamente no mundo desértico, eclesiástico e artificializado do filme “Priest” temos um retrato fiél das consequências que tais padrões de comportamentos religiosos ocidentais podem atingir num futuro não muito distante.Se eu detalhar mais tais ligações, o leitor desta espirituósa resenha irá perder bons momentos de telão, pipóca e de algum entretenimento e descanso cerebral…Diferentemente da instituição que serviam a principio cégamente, os padres-guerreiros do filme percorrem o deserto em busca da verdade e da salvação do bem mais precioso – a vida humana em amplitude e diversidade.

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