Vampiros em Quadrinhos [por Shirlei Massapust]

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Vampiros em Quadrinhos [por Shirlei Massapust]

“A grande mágoa de minha vida é nunca ter feito quadrinhos.”
Picasso

Este artigo é sobre a difusão das revistas em quadrinhos (HQs) do gênero terror no Brasil. (Revista completa mesmo, o nosso país só conheceu em 1951, muito antes desta data já eram publicadas histórias avulsas). Portanto vamos começar por excluir todas as tiras e charges de jornal, sem pretensão de discriminar todos os sucessores da tirinha norte-americana A Mutt (1907), sempre tão dedicados a critica política. Ao invés disso hei de introduzi-los na companhia da prole bastarda dos antigos livros ilustrados japoneses, do gênero ukiyo-e antes que aquilo fosse chamado de mangá.

As revistas em quadrinhos (inglês comic books, japonês mangá, francês bande dessinée, italiano fumetti, espanhol tebeo ou historieta, etc.) sempre foram expressões artísticas, inexistindo distinção entre o vocábulo coloquial e o termo erudito “romance gráfico”. Para ser clara: As estórias do personagem Sandman, criado em 1988 por Neil Gamain para o selo Vertigo da editora norte-americana DC (a editora do Super Homem) é um romance gráfico para adultos. Mas a Vampirella, criada por Forrest Ackerman em 1969 e publicada inicialmente pela editora Warren, também é. O Vampire Hunter D, lançado em 1983 pelos japoneses Hideyuki Kikuchi e Yoshitaka Amano, também é. E as coleções brasileiras Calafrio e Mestres do Terror, da RGE, também são! A nacionalidade do artista não reprime o seu talento. Não existe procedência melhor nem quadrinhos de técnica melhor nem pior. Apenas estilos diferentes. A maior prova disso é que no Japão o jornalzinho (inglês fan magazine ou fanzine, japonês d?jinshi, português lusitano cover, etc.) costuma ser apresentado em encadernações mais luxuosas que as edições industrializadas.CONTINUE LENDO>>>

Quando lemos artigos avulsos sobre o mito do vampiro publicados dentro de revistas em quadrinhos brasileiros, os autores recomendam uma série de livros para emprestar erudição ao cenário. (São sempre os mesmos livros!) Contudo, lendo as estórias antigas é claramente perceptível que foi o romance Drácula (1897) de Bram Stoker (1847-1912) que forneceu o modelo de vampiro ideal. O restante são obras agregadas pela pertinência temática: The Vampire (1819) falsamente atribuído ao Lord Byron, Le Vampire (1851) falsamente atribuído a Alexandre Dumas, Camilla (1872) de Sheridan Le Fanu (1814-1873), La Ville Vampire (1875) de Paul Feval (1816-1887), etc., eram usados como fontes de informação suplementar, lidas em dependência do modelo principal. A maior prova disso é que obras relevantes como O Estrangeiro Vampiro (1897) do português António Duarte Gomes Leal (1848-1921) e Eu Sou a Lenda (1954) de Richard Matheson (1926-) jamais receberam semelhantes ‘tributos’.

Excetuando esta peculiaridade dos contos de vampiros, tanto os roteiros de filmes quanto os quadrinhos sofreram notável influência de um amplo leque literário, especialmente de A Divina Comédia de Dante Alighieri (1265-1321), do Frankstein (1831) de Mary Shelley (1797-1851), das dobras completas de Edgar Allan Poe (1809-1849), H. P. Lovecraft (1890-1937), Colin Wilson (1931-) e Stephen King (1947-); do O Exorcista (1971) de Willian Peter Blatty (1928-), de A Profecia (1976) de David Seltzer (1940-) e O Bebê de Rosemary (1977) de Ira Levin (1929-2007).

Estão enganados os que pensam que a ficção científica é mais ‘futurista’ enquanto os roteiros sobre monstros seriam mais ‘atrasados’. A expressão science fiction entrou para os dicionários entre 1911 e 1930, que foi justamente o período mais fértil em autores clássicos do gênero no campo literário. Porém, quando os cinemas se popularizaram, teve início o império dos filmes de terror. O primeiro filme exibido no Brasil foi o Drácula (1931). Filmes clássicos anteriores como Fausto (1926) e Metrópolis (1927) foram realmente exibidos depois e ficaram parecendo obras complementares na imaginação popular, juntamente com M: O Vampiro de Dusseldorf (1931) e Vampyr (1932). É por isso que quando a Universal Pictures realmente lançou as seqüências A Filha de Drácula (1936) e O Filho de Drácula (1942) houve um estranhamento patético.

No Brasil, a primeira revista de terror foi editada por La Selva, uma pequena editora paulista. Esta casa publicava mensalmente uma revista tipo super-herói, desenhada por Jerry Robinson com o título Terror Negro, com capas do pintor Waldemar Cordeiro. Em maio ou junho de 1951 a editora La Selva recebeu uma oferta para publicar a revista norte-americana Beyond, uma das muitas de terror que estavam sendo editadas nos Estados Unidos.

Como o personagem Terror Negro (título original) tinha sido suspenso, aproveitou-se o mesmo título e, em agosto de 1951, surgiu nas bancas brasileiras a primeira revista de terror. Eram seus editores Jacomo Laq Selva, Paschoal La Selva, secretariada por Reinaldo de Oliveira. “A partir daí as revistas de terror proliferaram e chegaram a uns trinta títulos diferentes” .

Com a carência de produção de histórias americanas no gênero, as revistas apelaram para desenhistas nacionais a fim de continuar a responder ao interesse do grande público pelas revistas de terror. Na década de 70 praticamente todas as editoras de quadrinhos na Mooca e Cambuci (bairros gráficos paulistas) só trabalhavam com desenhistas brasileiros ou estrangeiros aqui radicados como: Nico Rosso, Jayme Cortez Martins, Rodolpho Zalla, Júlio Shimamoto, Gedeone Malagoa, Eugênio Colonese, etc.

Por uma questão estilística os editores de quadrinhos sempre utilizavam, em licença poética, o termo “história” para designar a estória fictícia. Os críticos sempre reclamaram que o gênero literário deveria se chamar “horror”, ao invés de “terror”, porque os dicionários etimológicos definem terror como um temor fundamentado (daí o adjetivo “terrorismo”) enquanto o horror é uma reação psicológica infundada e puramente subjetiva do observador diante da coisa “horrível” (um cadáver putrefato, feridas abertas, deformidade física). Mas a idéia de chamar o gênero de “terror” não foi brasileira. Os quadrinhos com temática de horror sempre foram conhecidos como “Terror Tales” nos Estados Unidos, por licença poética, para dar credibilidade às produções.

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