Uma Curiosa Lenda dos Índios Brasileiros [de Shirlei Massapust]

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Uma Curiosa Lenda dos Índios Brasileiros [de Shirlei Massapust]

Jean Chevalier e Alain Gheerbrant escreveram no verbete “morcego” do Dicionário de Símbolos que “para os tupinambás, o fim do mundo será precedido pela desaparição do Sol, devorado por um morcego”[1]. Em nota eles informaram que tal informação foi extraída do livro La religion des Tupinamba (1928). Procurei a referência citada e achei isto na tradução brasileira:

Certa estrela vermelha, que seguia de perto a lua, tinha o nome de laouäre, palavra que Claude d’Abbevile traduziu por cão, mas que, em realidade, significa jaguar. Quando a lua se ocultava, dizia os tupinambás que o jaguar a perseguia com o fim de devorá-la. Se o disco lunar tornava-se avermelhado, acreditavam que esse planeta estava muito seriamente ameaçado pelo jaguar. Os antigos guaranis, do mesmo modo, tinham certeza de existir no céu um tigre ou um enorme cão, que em certas ocasiões devorava a lua ou o sol, causa do que chamamos eclipses. Seus atuais descendentes, os apapocuvas, falam de um jaguar celeste, azulado e semelhante ao cão, que destruirá a humanidade, começando por atacar o sol e a lua. Vive, atualmente, debaixo da rede de Ñanderuvuçú. Os chiriguanos transmitiram aos chanés o mito de seus antepassados, os guaranis, explicando, do mesmo modo, os eclipses como tentativas feitas pelo jaguar de duas cabeças no sentido de devorar a lua. Esse monstro, chamado yagua rogu, ataca a lua, sua benfeitora, não obtendo resultado em sua empresa graças ao alarido feito pelos homens para afugentá-lo.[2]CONTINUE LENDO>>>

A lenda já aparece bem diferente de sua terceira versão. Não existe morcego, mas jaguar. Na segunda versão o animal celeste devora a lua e não o sol, embora a comilança do sol seja presumida. Alfred Métraux cita um livro do padre capuchinho Claude D’Abbeville que ouviu os índios informarem que o astro laouäre é o Planeta Vênus. Este é o planeta jaguar que devora a lua:

A certa estrela chamam os índios iaouäre, cão. É muito vermelha e acompanha a luta de perto. Dizem, ao verem a lua deitar-se, que a estrela late ao seu encalço como um cão, para devorá-la. Quando a lua permanece muito tempo escondida durante o tempo das chuvas, acontece surgir vermelha como sangue da primeira vez que se mostra. Afirmam então os índios que é por causa da estrela iaouäre que a persegue para devorá-la. Todos os homens pegam então seus bastões e voltam-se para a lua batendo no chão com todas as forças e gritando, eicobé cheramoin goé, goé, goé; eicobé cheramoin goé, “au, au, au, boa saúde meu avô, au, au, au, boa saúde meu avô”. Entrementes as mulheres e as crianças gritam e gemem e rolam por terra batendo com as mãos e a cabeça no chão.

Desejando conhecer o motivo dessa loucura e diabólica superstição vim a saber que pensam morrer quando vêem a lua assim sanguinolenta após as chuvas. Os homens batem então no chão em sinal de alegria porque vão morrer e encontrar o avô a quem desejam boa saúde, por estas palavras: eicobé cheramoin goé, goé, goé, eicobé, cheramoin goé; au, au, au, boa saúde, meu avô, boa saúde. As mulheres, porém, tem medo da morte e por isso gritam, choram e se lamentam.[3]

FOTO: Escultura de um felino antropomorfo descoberta na área do rio Tapajós.

Ficamos sem saber como Jean Chevalier e Alain Gheerbrant chegaram à conclusão de que o morcego é “devorador de luz, e aparece, portanto, como um substituto das grandes divindades ctonianas: o Jaguar e o Crocodilo”.[1] Poderia o avô ancestral transformado em jaguar sofrer nova metamorfose em vampiro para percorrer o céu em busca do sangue das mulheres que se contorcem de dor, cujo fluxo parece regulado pelo curso da lua?


Notas:

[1] CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Trd. Vera da Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, Angela Melim, Lúcia Melim. Rio de Janeiro, José Olympio, 1999, p. 620-621.

[2] MÉTRAUX, Alfred. A Religião dos Tupinanbás. Trd. Estêvão Pinto. São Paulo, USP, 1979, p 35.

[3] D’ABBEVILLE, Claude. História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Vizinhas. Trd. Sérgio Milliet. São Paulo, Livraria Martins, 1945, p 247.

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