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Primeiros Vampiros Brasileiros

OS PRIMEIROS VAMPIROS BRASILEIROS

Rubens Luchetti

[Um Texto de Lord A:.]

As origens dos vampiros brasileiros ao menos em nossa literatura podem ser contadas em mais de 170 anos. O ponto de partida fica sendo a metade do século XIX para fecharmos a conta. No entanto, é na poesia chamada “A Noite”, do inconfidente mineiro Silva e Alvarenga que o termo Vampyr/Vampiro foi utilizado entre 1799 ou 1801. Contamos esta história aqui na Rede Vamp. Hoje vamos passear um pouco nesse imaginário vampírico brasileiro.

Para fins históricos o primeiro grande nome do século XX a se destacar na literatura vamp é o mestre Rubens Francisco Lucchetti. Ele foi o responsável por incontáveis roteiros, romances e participações em revistas pulps e quadrinhos de terror.

Nas suas páginas Drácula, Nosferatu e muitos outros vamps se imortalizaram no imaginário brasileiro contemporâneo. Ao falarmos de cronologias vampirescas falamos de uma história de efeitos e como seus conteúdos ressoam e influenciam continuamente novos criadores e criadoras. O passar das décadas vai estabelecendo um diálogo único e que se desenrola continuamente.

Então, se você gosta de Vamps e não conhece o trabalho do Rubens eu sugiro que corra atrás de revistas como a Calafrio e incontáveis outras publicações.

RUBENS LUCCHETTI É O GRANDE PIONEIRO DO GÊNERO VAMP, DO TERROR E DO FANTÁSTICO BRASILEIRO SUAS CRIAÇÕES E PERSONAGENS ASSOMBRAM ATÉ HOJE O IMAGINÁRIO E A CULTURA POP

No entanto, os primeiros vampiros  brasileiros não surgiram na década de 1960 do século XX. Tampouco foi o novelista Antônio Calmon da Rede Globo ou o humorista Chico Anísio os “pais” dos vampiros daqui como eles dizem por aí em suas entrevistas. Até porque as criações deles oscilam entre os anos 80 e 90.

Mas também suspeito que ambos desconhecessem o que relatamos neste artigo, na realidade o tipo de cruzamento de informações que fazemos aqui nem era possível no tempo de suas respectivas obras. Seria, portanto indelicado culpa-los por jurarem terem feito algo nunca realizado antes nos seus tempos.

Ainda é interessante ressaltarmos outros personagems como o simpático Zé Vampir, criação de Maurício de Souza ou ainda a Turma do Arrepio que são outros marcos indeléveis do repertório vamp brasileiro. O que irremediavelmente tornaria um pecado não mencionarmos a personagem Mirza, A Mulher Vampiro, criação de Eugênio Colonese no final da década de 60´s e muitas outras que antecederam a famosa Vampirella dos norte americanos. Em relação a vampiros e vampiras nos quadrinhos brasileiros indicamos nosso Blog.

Embora hoje em dia seja comum histórias vampíricas ambientadas nos tempos de Dom Pedro ou ainda de Pedro Alváres Cabral, os primeiros vampiros brasileiros apareceram por aqui ainda no século XIX ao menos em termos históricos nas artes e na literatura. Deles a Vampira Branca Holibachis, da poesia Octávio e Branca – A Maldição Materna, do Barão de Paranapiacaba vem a ser a primeira grande vampira brasileira.

Digo isso, inclusive porque as culturas pré-colombianas que estavam por aqui bem antes de Cabral, já tinha morcegos sanguinários e jaguares como deuses e xamãs – também falamos mais disso neste outro artigo. Aliás a questão do vampiro e do xamã (incluindo ritos da América Central) é tratada de forma en passant  e ainda neste outro artigo. 

Desenvolver esses assuntos é sempre um prazer, ainda mais quando vamos retomando um extrato xamânico e que vem do neolítico; onde ainda poderiamos dialogar com espíritos malignos ao invés da contingência de hoje. E eis mais algo aqui recorda o Vurdolak que devorava a lua neste mesmo sentido!

VAMPIROS NA AMÉRICA PRÉ COLOMBIANA

A própria tradição oral brasileira fala sobre índios de hábitos noturnos conhecidos como “Kupe-dyeps” que saíam por aí degolando os inimigos com trajes de morcegos e machados de formas lunares no alto Tocantins. Tais índios morcegos lá na Serra do roncador e outras deidades e figuras folclóricas vampirescas ao longo da América do Sul e Central.

Vale até mesmo acrescentar a polêmica de um deus morcego e de caninos alongados nomeado como “Moxica”, fato que incomodaria um monstro sagrado do nosso cinema nacional, que acredita que vampiros são europeus demais (um dia conto essa história)

Se considerarmos ainda os relatos de morcegos de estatura agigantada presentes na tribo Waipã, lá no Maranhão ou o caso de um fóssil dessa envergadura encontrado na Argentina no começo do século XXI em agosto de 2000, poderemos ao menos especular que a América do Sul tem muito mais a ver com o vampirismo do que o leste europeu, mas essa história fica para outro dia.

Como já disse os primeiros vampiros brasileiros vem do século XIX. Sim, o século 19 onde o vampiro foi um evidente fenômeno literário, teatral e operístico no velho e no novo mundo. Não poderia ser diferente e tampouco ocorrer de outra maneira. Interessante ressaltar que a maior parte destes vampiros brasileiros do século XIX foram publicados anteriormente ao célebre romance de Bram Stoker, colhendo influências e inspirações nos escritos de Teophile Gautier, Byron, Polidori, Baudelaire, Shelley e muitos outros grandes nomes do terror gótico. Falando em autores brasileiros, tenho certeza que o célebre Álvares de Azevedo, nos reserve alguma surpresa neste contexto Vamp.

Vamos falar um pouco das obras que apareceram os
primeiros vampiros brasileiros:

1849 – OTÁVIO E BRANCA (A MALDIÇÃO MATERNA): Escrito por João Cardoso de Menezes e Souza foi o primeiro a trazer a imagem vampiresca ainda que de maneira sugestiva como uma maldição dos pais que recai sobre os filhos. A imagem do vampiro aparece praticamente no começo e no encerramento da obra de maneira sublime, na forma dos amantes que dão nome a história, ambos morrem jovens e amaldiçoados ficando propensos a vagarem entre os mundos. Ainda que ambientada no Brasil ela ressalta um inegável clima europeu. Só em maio de 2022

1890- FOME: De Rodolfo Teófilo tem como cena marcante quando o protagonista adentra um quarto onde dezenas de morcegos sugam copiosamente o sangue de uma criança já morta. A imagem evocada pelas palavras impressiona até mesmo os leitores de hoje pelo requinte macabro e aceitavelmente exagerado. Tais morcegos são retratados como animais com fome se alimentando no terrível e desértico sertão. Interessante pontuarmos até hoje existem relatos de morcegos de grandes proporções e suas ossadas encontradas através da América do Sul.

1891- A MORTALHA DE AUZIRA: O autor foi Aluísio de Azevedo, também responsável pelo livro “O Cortiço” obra conhecida e recorrente dos vestibulares brasileiros. Sombria ao extremo e ambientada na França do século XVIII narra os espectrais encontros entre o padre Angelo e a cortesã Alzira, ele sedento pelo sangue de quem tentar lhe afastar da amante e ela ávida por consumir seu espírito e vitalidade.

Vale pontuar que estes encontros ocorrem depois da morte dela através de sonhos, onde aos poucos o bom padre perde a noção do que é a realidade comum. Fulminado pela paixão o bom padre descobrirá como sua energia e vitalidade pode se esvair por esta ferida afetiva e lhe assegurando um destino pior do que a morte. Aliás, você já leu nosso artigo sobre os morcegos do cemitério Pére Lachaise, na França? Já assistiu nosso video exclusivo no cemitério HighGate em Londres? Ou ainda o artigo na exposição da Luciana Fátima?

1893- ACAUÃ: Desenvolvido pelo autor Inglês de Sousa foi um grande sucesso literário do seu tempo onde a vampiresca Vitória leva a jovem Aninha a definhar gradativamente. Diferentemente das outras obras presentes neste artigo aqui a ambientação tem pouco ou quase nada do gótico europeu, sendo o título uma menção a uma ave considerada agourenta no Amazonas e entre os ribeirinhos que vivem isolados de todos.

O ponto alto da obra é que ela é a melhor a retratar elementos brasileiros como crenças e superstições locais na imagem vampiresca que se alimenta da vida e da vitalidade emocional dos outros. *E pensar que mais da metade da minha vida morei próximo a rua que leva o nome deste escritor, sem conhecer tal obra…

Princesa Issira
Princesa Issira, criação de Júlia Lopes de Almeida (1903)

1903- A NEUROSE DA COR- É um pequeno mas adorável conto, tal como os venenos mais poderosos sobre uma princesa egípcia fascinada e sedenta pelo sangue – mais especificamente por sua cor rubra. Integrou uma coletânea chamada “Ânsia Eterna” da escritora brasileira Júlia Lopes de Almeida.

Basicamente tal autora e suas obras foram simplesmente o sucesso editorial dos tempos de Dom Pedro II e inclusive poderia ter sido uma das “imortais” fundadoras da “Academia Brasileira de Letras” se não fosse pelo fato de ser mulher naquele momento histórico. A titularidade da cadeira ficou para seu marido. Enfim, o tom de romance gótico é notório em seus escritos e ela enxerga um terror muito singular nos temas de suas histórias.

Outro ponto é como a autora focalizava a personagem e não tanto sua erotização para atrair e envolver os leitores. O elemento “Vamp” desta bela história está mais para o subjetivo, porém quase um século antes da Rainha Akasha de Anne Rice já tínhamos uma atraente rainha egípcia de nuances vampirescas nas páginas da literatura brasileira.

Este e outros contos da autora foram publicados na antologia Medo Imortal da Darkside Books, disponível aqui.

E já que atualizei este “post” hoje 10.09.2020, fica um trechinho da obra:

A beleza de Issira deslumbrou a corte; sua altivez fê-la respeitada e temida; a paixão do príncipe rodeou-a de prestígio e a condescendência do rei acabou de lhe dar toda a soberania. O seu porte majestoso, o seu olhar, ora de veludo, ora de fogo, mas sempre impenetrável e sempre dominador, impunha-na à obediência e ao servilismo dos que a cercavam.

*A Rede Vamp homenageia a autora e a personagem neste artigo!

1908- ESFINGE: Publicado no começo do século XX e de autoria de Coelho Neto traz um vampiro acentuadamente andrógino chamado James Marian apaixonado por sua Miss Fanny que morreu há poucos dias de uma moléstia que consumiu pouco a pouco. Sobre o tal vampiro e sua sede espiritual afirma-se que ele foi o resultado de uma cabeça feminina implantada em um corpo masculino(!) o que nos remete a uma inspiração ou influência do clássico Frankenstein. Ambientado no Rio de Janeiro daquela época traz em suas páginas diversos tipos e elementos característicos da localidade alinhavado a simbolismo oriental, boemia e os criativos daquele tempo. A trama gira ao redor da história da vida desta quimera chamada James Marian.

O QUE ACONTECEU DEPOIS DISSO TUDO?

O terceiro capitulo do livro aborda detalhadamente os últimos 40 anos da produção cultural vampiresca no Brasil em todos os frontes!

Entre 1908 e 1960 temos um período de 52 anos que o vampiro aparentemente esteve relegado a produção literária e conteúdos espiritualistas ou ocultistas no contexto brasileiro. Isso não vem a ser uma regra, mas aparentemente o material literário deste período é bem escasso.

Os vampiros retornam a cultura pop brasileira e ao seu imaginário com maior ênfase durante a década de 1960 com as criações do autor Rubens Lucchetti nos quadrinhos e romances “pulp” que foram verdadeiros êxitos editoriais. Mais ou menos no final daquela mesma década teríamos o lançamento do filme nacional “Um Sonho de Vampiros”, com a participação da atriz Norma Bengell no filme italiano “Planeta dos Vampiros” e com a novela carioca “Mansão dos Vampiros” com o galã Mário Gomes e Tereza Rachel. E a partir daí também nas montagens teatrais diversas.

Daí em diante a história do que aconteceu aqui no Brasil, cerca de quatro décadas até mais ou menos 2014 é narrada detalhadamente e com exclusividade no livro MISTÉRIOS VAMPYRICOS A ARTE DO VAMPYRISMO CONTEMPORÂNEO, disponível aqui.

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