O Livro de São Cipriano e Lord A:.
O Livro de São Cipriano e Lord A:. – Publiquei este artigo originalmente no meu blog pessoal e ele foi um dos mais lidos por lá em 2013. Inspirou uma pauta no programa “Enigmas” da Katia D Gaia e da Cris DPaschoal. Tal aparição televisiva na época e me aproximou de muitas pessoas incríveis.
Uma delas é o ocultista e autor brasileiro Humberto Maggi, sua obra Thesaurus Magicus II (disponivel aqui) reúne os três textos do século IV que deram origem à tradição mágica associada ao nome de São Cipriano (Conversão, Confissão e Martírio), os quatro mais importantes grimórios ibéricos do século XIX (os portugueses que deram origem às versões brasileiras e os espanhóis contendo as instruções de magia cerimonial) e vários outros textos mágicos associados com o Santo Feiticeiro. A introdução histórica tem uma descrição ampla e detalhada das origens e do desenvolvimento da tradição do século IV ao XIX. A edição é enriquecida com um Prefácio de Nicholaj De Mattos Frisvold (já entrevistado no VOX VAMPYRICA e também autor do livro “A Arte dos Indomados” disponível em nossa loja) e a Apresentação de Felix Castro Vicente.
Então deixo aqui como leitura sugerida e recomendada! Editei recentemente o artigo em 2022, para se adequar ao modelo de Post da Rede Vamp.
O Livro de São Cipriano é apenas um livro. Podemos dizer se ele é bem ou mau escrito, podemos fazer atribuições sobre o direcionamento de seu conteúdo encontrar ressonância mais com um tipo de público do que com outro; ainda assim continua sendo apenas um livro. Será que descansa uma maldição ou um “tabu” apavorante em suas páginas?
Dizem há muito tempo que a sua posse é perigosa, que ele deveria ser queimado depois de lído (e até que o .PDF deveria ser deletado neste caso). Dizem que suas orações, esconjuros e ensinamentos de cartomancia provocam transformações antes inacessíveis aos seus leitores. Se é um grimório e se venceu o tempo, certamente ele tem o seu espírito guardião, não tenho dúvida. A vida sempre foi assim. Mas enfim, ele é apenas um livro quem decide ou escolhe o que fazer através dele – bem como a quem ele poderia escolher chegar de alguma forma – que é o responsável pelo que escolher deixar acontecer.
Depois de escrever um parágrafo desses, tenho certeza que leitores e leitoras com mais de trinta anos já estavam se recordando da célebre abertura do filme “Evil Dead 2:Dead by Dawn” (aqui no Brasil ficou A Morte do Demônio ou Uma Noite Alucinante) de Sam Raimi – cujo um infame remake chegou recentemente aos cinemas (e que sem o ator Bruce Campbell perdeu metade da graça e os possuídos que parecem figurantes saídos do filme Residente Evil contribuíram para a desgraça).Mas a idéia ou a busca de um livro ou grimório de grande poder que permita o acesso e o contato com aqueles que não-respiram ou o outro lado é algo que permanece em muitas pessoas. Há diversos motivos e razões para pessoas buscarem um artefato que lhes conceda algum poder sobre suas vidas e de terceiros.
Como o tal do “Necronomicon” do filme Evil Dead é um tanto quanto inacessível e por razões óbvias. Poderíamos pensar então em um outro livro de poder assim como aquele outro livro do Doutor John Dee em linguagem Enochiana (que ocultistas modernos dizem que o Necronomicon foi inspirado nele), porém ainda assim serial algo distante e de rara compreensão.
Simplificando, poderíamos recorrer ao Necronomicon do ocultista Donald Tyson publicado no Brasil pela Madras (mas tal obra é apenas uma extensão imaginativa ricamente criada sobre o universo ficcional de H.P.Lovecraft).Poderíamos tentar então achar alguma inspiração nas ricas ilustrações do artista plástico suíço que desenhou um livro de artes homônimo “Necronomicon”.Só que o tal do “Necronomicon” no final das contas foi uma criação do contista de almanaques ficcionais norte-americano Howard Philips Lovecraft.Claro que o ocultista e magista britânico Kenneth Grant apresenta boas evidências e convergências entre os encontros oníricos de Lovecraft com seus seres inefáveis e ctônicos – que seriam as mesmas deidades encontradas pelo magista Aleister Crowley.A diferença é que o primeiro julgava seus encontros aterradores sonhos e os analisava sobre um filtro moral – já o segundo…
Existem muitos grimórios e livros que detêm grande poder em seus conteúdos informativos. Entre eles temos alguns como o Le Dracon Rouge, o Legemeton, aquele do Papa Honório e muitos outros. Em geral foram traduzidos do latim para o inglês ou mesmo o francês e foram inacessíveis as pessoas que não dominassem tais idiomas por muito tempo. Sem mencionarmos os preços elevados que sempre envolveram a importação de livros estrangeiros no passado. Graças aos arquivos .PDF a apreciação de tais obras tornou-se mais acessível aos estudantes diligentes.
Aqui no Brasil, Portugal e países da América Latina o mais conhecido dos grimórios é o “Livro de São Cipriano” – o poder atribuído pelas pessoas ao tal livro é realmente impressionante e algo duradouro que as vezes atravessa gerações de muitas famílias. Algumas de suas edições passam das mãos de avós para netos, bisnetos e afins dentro de uma família – e de algumas comunidades religiosas variadas. Sendo algo bastante tradicional e com o toque delicado de relíquia familiar, páginas dobradas, ervas e flores secas no meio, anotações a lápis dos mais antigos e dos proprietários posteriores. E assim há uma beleza e um poder único em tais artefatos.
Nos dias de hoje existem algumas milhares de versões desta obra que em geral tem um núcleo de conteúdo mais ou menos fixo e muitos outros que são anexados com graus variantes de pertencimento e afinidade de acordo cada capa ou versão. Em geral sempre acabamos vendo nestas publicações a presença da oração da cabra preta, oração do anjo Custódio, oração para enfermos na hora da morte; o Magnificat; a cruz de São Bento; pacto com o demônio; demandas para desmanchar relacionamentos e afins. Só que geralmente existem versões e versões destes e tantos outros conteúdos em cada edição. Nos tempos de hoje existem até versões politicamente corretas que suprimem partes dos feitiços para não chocarem os paladares mais delicados dos leitores e leitoras – observação aliás realizada por minha amiga Shirlei Massapust. Todas as edições lançadas no Brasil afirmam ser o verdadeiro livro de São Cipriano. Mas e aí? Qual delas que será?
A resposta é tão subjetiva e misteriosa como o perfume de flores a meia-noite no jardim. Se houvesse um livro verdadeiro – e os relatos afirmam que existiu – o próprio autor, o São Cipriano de Cartago queimou a maior parte do livro pouco antes de se converter ao cristianismo. E se algum conteúdo chegou aos dias de hoje, dizem que foi por conta de que alguém o traduziu o que sobrou do hebraico. Mesmo assim, quem conta um conto aumenta alguns pontos e com o passar do tempo e do surgimento de versões muitos relatos, situações e personagens anteriores e posteriores a época que viveu Cipriano foram reunidos a narrativa – sem um direcionamento ou propósito que possa ser percebido pelo senso-comum. Mesmo o tom das versões expressam diferenças perceptíveis, algumas edições são mais brandas e outras mais severas.
A tônica dominante permanece como a vitória do Bem sobre o Mal; de que os artifícios e os sortilégios diabólicos, não exercem poder sobre os fiéis servos de Cristo. E tais publicações do livro de São Cipriano acabam se tornando um almanaque ocultista de cultura e de sabedoria popular – o que não depõem contra a integridade de seu conteúdo e no fornecimento de informação, inspiração e resposta para aqueles que buscam por seu conteúdo. Quem procura os conteúdos do livro com intenções de praticar a crueldade sobre outras pessoas – já era cruel antes e usaria até mesmo a Bíblia ou qualquer outro livro sagrado para atingir seus intentos.
Quem procura o livro para cura, inspiração e respostas também será agraciado por suas páginas. Não podemos nos esquecer que a crença brasileira na “Urucubaca” e sua evolução a “Urucubaca braba”, bem como no olho-gordo, mau-olhado e afins integra nosso folclore regional e que o Livro de São Cipriano é o almanaque popular (cristão) mais acessível para tecer imagens de como em cada época as pessoas encontraram soluções e registraram seus costumes na lída com tantos artifícios da condição humana. Ele é uma ferramenta ou arma, quem o empunha direciona e paga pelas consequências.
Como mencionei há evidentes falhas históricas nas edições do Livro de São Cipriano. Havendo personagens e situações que existiram muito tempo antes ou ainda muito tempo depois da vida e da autoria da obra. E mesmo quando temos alguém com um nome famoso, podemos ver as vidas e obras de pessoas com o mesmo nome serem assimiladas e atribuídas a pessoa mais famosa ou reconhecida – algumas vezes isso acontece acidentalmente e outras propositalmente (como para fugir de uma perseguição religiosa ou da própria inquisição).
A respeito desta possibilidade a pesquisadora Shirlei Massapust (após a publicação deste artigo) apontou que houve um Cipriano de Valera (que viveu entre 1532 e 1602) um religioso e humanista, que conviveu e foi discípulo de João Calvino ou seja esteve ligado ao protestantismo – o que era algo turbulento, pois a inquisição estava bem ativa naquele momento e não apreciava protestantes. Outra coisa que a inquisição não suportava além de críticas, eram heresias ou praticantes de magia. E quando queriam condenar alguém, não hesitavam em interpretarem as obras e os atos do acusado sob seu olhar intolerante.
E Cipriano de Valera teve que encarar a perseguição inquisitorial, embora tenha conseguido escapar. Agora, fica a questão se ele era ou não um magista e se uma de suas obras chamada “Tratado para confirmar los pobres cautivos de Berbería en la católica y antigua fe y religión cristiana, y para consolar, con la palabra de Dios, en las aflicciones que padecen por el Evangelio de Jesucristo” era ou não a base ou núcleo original do Livro de São Cipriano que temos nos dias de hoje.Tal pesquisa se encontra em andamento e quando Shirlei a tiver disponibilizado, ofereceremos o link para nossos leitores e leitoras aqui!
Haverá leitores e leitoras que argumentarão negativamente sobre o fato da obra conter instruções para pactos demoníacos, orações e rezas não tão edificantes quanto se espera e ritos nefastos a sua sensibilidade. Só que existem tantas pessoas que afirmam rezar para o bem e a saúde e são as primeiras a se esquecem ou deixam de lado a medicina e a responsabilidade por cuidarem de sí. Temos os casos das pessoas que passam a ignorar e refutarem laudos médicos porque seus pastores ou líderes espirituais os proíbem, dizendo que apenas sua oração pode curar cada um deles.E quando alguém reza e acende vela para ter um emprego novo ou melhores chances em uma entrevista, o que vem a colocar os outros candidatos em desvantagem espiritual. Roteiristas de quadrinhos e de filmes costumam dizer que os melhores vilões – desconhecem que são vilões. E o livro de São Cipriano goza de uma reputação fídeligna em muitas obras de terror – bem como nos “causos” contados por nossos avós e também nas colunas policiais quando tem crimes associados a magia negra e ocultismo. Por ser algo tão próximo e tradicional do popular e do imaginário cristão a obra é reverenciada e encontra grande ressonância – temida e adorada. Eu mesmo tive a oportunidade de constatar a potência de sua mítica há alguns anos atrás:
“(…) estava indo de trem para apresentar uma palestra sobre mitologia comparativa na região do Grande ABC junto a alguns colegas conferencistas e integrantes do meu curso. O vagão estava lotado e todas as pessoas se exprimiam. Um colega brincou comigo e disse para eu fazer algum feitiço ou usar meus dons para mudar a situação.Com minha peculiar espirituosídade, coloquei a mão na mochila e peguei uma agenda de capa dura preta e falei em tom alto: Olha o livro de São Cipriano, o bruxo que virou santo…baratinho…leve o seu agora mesmo…talvez por conta de meus trajes e da inusitada performance (naqueles trens é muito comum a presença de vendedores) as pessoas entraram em pânico e mais da metade do vagão desceu na estação seguinte – quem ficou, ficou amedrontado e ressabiado…e eu e meus colegas fizemos o restante da viagem tranquilamente.(…)”
Posso dizer que meu interesse em escrever um artigo sobre o Livro de São Cipriano se iniciou formalmente naquele momento. Percebí que a menção ao livro era um tabu, algo de poder insondável no imaginário daquelas pessoas – sua ligação com o senso comunitário, cultural, potência para atender expectativas e ansiedades e oferecer uma via das pessoas participarem do grande drama cósmico – era uma evidência irrefutável. Realizar as proezas alí descritas ou mesmo ser vítima ou alvo delas, evidenciava uma ameaça real e imediata – era para cada um deles como estar junto aos guias e toda a mítica da cultura popular cristã. A ameaça da presença de tal livro era como tocar ou vislumbrar um tabu. Fosse pelos anos e a cultura de sugestionamento maligno atribuído a elas sobre o livro – que continuava apenas sendo um livro. Os mesmos surtos a respeito desta obra podem ser observados em fóruns e Yahoo Answers da internet.
A palavra preconceito e o ato do livro ser tomado de forma depreciativa e alvo de críticas pesadas por integrantes de denominações evangélica mais radicais e outros agrupamentos crísticos radicais – é uma evidência relevante também. Fica difícil para mim não observar como o tal do “pensamento mágico” de Bergiers ainda se mostra claramente presente nos dias de hoje, bem como as pessoas sempre precisam de agentes externos (demônios) ao invés de assumirem seus fados e o próprio Destino – sustentando como vem a serem…
Mas afinal quem foi São Cipriano de Cartago? Sabemos historicamente que depois de se converter ao cristianismo foi um grande doutor da moral cristã, um Bispo responsável que organizou a igreja na África, criou o latim cristão e foi um expressivo orador daqueles tempos. Morreu torturado e flagelado junto a uma moça chamada Justina, sob ordens do imperador romano Diocleciano. Mas antes de tudo isso ele foi um homem que viajou por incontáveis terras do mundo antigo e profundo conhecedor dos antigos deuses e sua magia e feitiçaria, gozava de grande reputação e até diziam que aprendeu magia negra com a legendária Bruxa de Évora.
Durante suas buscas e viagens escreveu um poderoso grimório e um dia teve seus serviços contratados por um rapaz que se apaixonou por uma moça chamada Justine. Ela havia se convertido ao cristianismo e consagrado sua virgindade e pureza a Deus – o rapaz queria casar com ela, os pais haviam concordado mas ela não queria o rapaz e queria honrar seus votos. Já que Cipriano era um grande feiticeiro, ele poderia tombar a vontade dela e fazê-la se entregar ao tal rapaz através da magia. Só que cada pó mágico, feitiço, invocação, assédio demoníaco que Cipriano tentou sobre ela veio a falhar miseravelmente.
Desconcertado e descrente de seus patronos, contam que ele incinerou a maior parte do seu grimório e se livrou do tal e depois ele escolheu se aliar ao deus que mostrava-se mais poderoso. Ele morreu como mártir e foi canonizado como um santo – alguém mais próximo do bom-deus cristão.O que merece respeito e a devida solenidade. Até hoje pessoas rezam por sua guia, buscam por seu patronato espiritual em cultos católicos e também nas religiões afro-caribenhas que fazem uso de algo grau de sincretismo. E sob um olhar “não-ordinário” tais afirmações tem grande valor para cada um que encontra na jornada dele pertencimento, proteção e sentido.
Como já disse antes a lenda conta que alguém achou o que sobrou do grimório, traduziu, acrescentou e publicou. Não é difícil de se cogitar que tal história e tal livro fosse uma estratégia cristã de desmoralizar antigas religiões e seus cultos. Enfim, o livro resiste, se adapta e permanece até os dias de hoje. Recentemente soube através da amiga Cathia Gaia e de algumas pesquisas junto com colegas que trabalham na área de marketing de editoras esotéricas – que o livro de São Cipriano é uma das obras mais vendidas do gênero de todos os tempos, sempre sendo revisado, editado e re-editado.
Durante todos estes anos ví muitos exemplares nacionais e estrangeiros deste livro – e aprendí a admirar e respeitar sua importância e relevância na crença e espiritualidade de tantas gerações – bem como de seu papel no imaginário e nas artes. Neste ponto ficaria difícil não mencionar a influência e as idéias surgidas com a leitura da obra “Exu Quimbanda of Night and Fire” da Scarlet Imprint e diálogos com seu autor Nicholaj deMattos Frisvold e sua esposa Katy deMattos Frisvold – uma obra que em breve apresentarei uma resenha por aqui.
Solenemente me escuso aqui por eu ter sído tão imaturo por conta da minha experiência pessoal que relatei aqui sobre o ocorrido naquele trem – mencinando o livro de São Cipriano. Não pratico os conteúdos do livro de São Cipriano apenas por uma questão de gosto e de trilha pessoal, da minha parte quando o assunto são grimórios eu prefiro escritos de Ficcino, o famoso Le Dracon Rouge e tantos outros aqui mencionados. Ainda assim espero ter oferecido um artigo que apresente o Livro de São Cipriano com dignidade e que instigue curiosidade e explorações através de um olhar mais maduro e distante do senso-comum de cada leitor ou leitor sobre seus conteúdos! Até a Próxima!
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