Filosofando com Lestat e Gabrielle (Ou Daquilo que aprendi lendo Anne Rice)

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Filosofando com Lestat e Gabrielle (Ou Daquilo que aprendi lendo Anne Rice)

Vampiro Lestat é um personagem de Anne Rice que segundo a autora é uma espécie de “muso” e uma “vox poesis” dela que lhe permite ver e enxergar o mundo de maneira singular. Já contamos boa parte de sua trajetória neste velho artigo  e nem vou esconder que muito de sua personalidade vem sendo uma boa companhia de trajeto nesta jornada chamada vida. E tiro várias lições de vida quando releio as páginas de seus livros. Tive inclusive o privilégio de o interpretar ainda mais novo e há alguns anos ao lado de minha amada Xendra Sahjaza (até houve um registro deste momento divertido), no dia seguinte a apresentação a sincronicidade nos presenteou com o anúncio do lançamento de uma nova história dele quase uma década e meia depois de sua última publicação. O texto a seguir é uma crônica pessoal:

 

Uma das minhas passagens favoritas do livro Vampiro Lestat de Anne Rice (e que me motiva há 20 anos ou mais) é quando o protagonista e Gabrielle visitam as catacumbas de Paris e o culto de mortos-vivos miseráveis chefiados pelo Vampiro Armand e uma vampira louca. Toda aquela legião de olhos famintos, decrépitos, impotentes, insuficientes, rancorosos, melíndrados e atormentados mantidos assim e amarrados a narrativas políticas, dogmas, ideologias e dítames que apenas vivendo daquela maneira seriam verdadeiros e reais filhos e filhas da noite… imersos em se comportarem como mortos e se comiserando pesarosamente nos passados idealizados que reviviam compulsivamente inaptos para lidar com o presente.

A incompreensão deles diante de como Lestat e Gabrielle podiam ser vampiros assim como todos os outros naquelas catacumbas mas viverem do bom e do melhor que pudessem conquistar em mansões, palácios, castelos, cavalgarem os mais belos corséis e andarem em requintados trajes de seda, couro e veludo… até mesmo se refugiarem na bélissma Catedral de Páris… como tudo isso era cobiçado e ao mesmo tempo odioso diante daquela turba que neles reconheciam algo mais liberto, superior e melhor. E aparentemente acessível, pois aos poucos começa a mudar o paradigma do covíl e seus líderes sentem este crescendo de terror… Como a dupla bem vestida e perfumada era intolerável e tão insuportável quanto o tormento que eles acreditavam que lhes seriam causados por suas crenças em narrativas tão pífias de que eram condenados ao pior do pior.

Tal contraste oferecido por Lestat e Gabrielle desafiava o parvo senso comum daquela cova, simplesmente desvinculados daquele dogma e narrativa ambos eram a maior de todas ameaças pois não podiam ser controlados ou explicados, Sua mera presença no mundo insistia que tudo na criação tinha seu lugar e relação, isto jamais se enquadraria em dogmas de opostos ou teorias de contrários irreconciliáveis impostas a ferro e fogo pelos líderes do culto como suposta pureza (máscara do rancor e ressentimento dali). Lestat e Gabrielle em seus trajes de gala eram como selvagens e incivilizados para a turba, que insistia que a condição degradante que estavam inseridos era a verdade absoulta e única possível. Lestat e sua companheira transcendiam a capacidade daquele lugar, estavam além do bem e do mal. Eram uma escolha e isso é e sempre será a ameaça final, diabo e destino se dão as mãos aqui. E logo eles seriam como um espelho para quem os buscassem. Para os líderes do culto eram tudo de abominável e culposo, pois o que viam ali era a porta de saída, uma encruzilhada e o fim de seu mando secular sobre aquela legião.

O tom expresso pela autora na descrição de como Lestat e a outra vampira retratavam e emolduravam a própria impotência e insuficiência daquela legião de condenados a catacumbas lamacentas, mofadas e cheias de ratos… e ao mesmo tempo como alguns daqueles condenados começavam a se darem conta de que podiam mudar a maneira como olhavam para sua imortalidade… e deixarem tudo aquilo de lado é gritante. Um desafio primevo a precária ordem das coisas que imperava lá.

Como Lestat e Gabrielle eram incapazes de serem feridos por cruzes, relicários, imagens de santos e água benta… como o juízo final não recaía sobre o mundo por conta da extravagância e requinte daqueles dois? E a forma como a Grand Dame de New Orleans começa a descrever a mudança de perspectiva na legião de condenados e o terror dos pastores daquele culto subterrâneo e o final trágico de um deles nas chamas… por não dar conta de que todos estavam na miséria só por conta do que como lideres impuseram ali – e que tinham prazer em manterem todos daquela maneira… naquele cabresto…

Para mim a maneira como Lestat, mesmo em uma situação de risco se apieda de cada um daqueles condenados e o tom como descreve cada um deles e os imagina se estivessem cuidados, limpos e livres de toda aquela besteira dogmática que os faziam servirem como autômatos a aquele ditador subterrâneo, ainda hoje é inesquecível. Um amante e representante de um arcano da filosofia e sabedoria perene a desafiar mandantes vulgares e seculares. E um tipo de lição de vida… importante que aplico em cada ato, criação e nova conquista profissional. Minha vida e minha obra é um desafio aberto, claro e irrestrito a prepotência do radicalismo estúpido e boçal do materialismo histórico e dialético em todas suas expressões.

E sim nestes 20 anos quando releio este trecho do livro, me recordo de ser piedoso, brando e generoso com pessoas que só aprendem coisas ouvindo de orelhada de sindicalistas ruidosos e pequenos ditadores que confundem ressentimento e rancor com “identidade”, “inteligência”, “verdade… verdade mesmo…” similares as que mantinham todos aqueles imortais em condições impotentes, insuficientes e miseráveis em todos aspectos. Tudo isso é tão vulgar (ou até mais) quanto aferir narrativa política ao que é comprovadamente avesso e exterior as pautas vulgares do mundo; submeter tais assuntos a aferições de julgamento de popularidade ou ao sensacionalismo e o patológico, expresso em posturas de ódio per se. Tão ou mais vulgar que demandar que sonhos sejam apenas interpretados de maneira tercerizada e coisas assim. E situar este tipo de conteúdo como “alienado” em relação a doutrinas e narrativas políticas que convenientemente requerem a eliminação do privativo, particular, do ímpeto e da individualidade em prol de qualquer coletivo, rebanho ou cardume – negando que o humano é um animal com olhos voltados para a frente como qualquer outro caçador ou predador do ecossistema.

Diferentemente da ficção, enquanto VAMPS, nossa força é sinônimo de habilidade para realizarmos o que é necessário, sem excusas e se bancando diante das consequências; se insentando de qualquer tipo de parasitismo. E isso é muito mais amplo, vasto e enriquecido do que qualquer ideologia, dogma, narrativa política e outras besteiras usadas como desculpas por fracos e mansos, que vivem de sabotarem terceiros, justamente por serem incapazes de cristalizarem seus sonhos neste selvagem jardim – e dessa forma assegurarem que ninguém mais consiga.

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