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O terror no Brasil (muito além dos vampiros)

Na edição #2 da REVISTA REDE VAMP que celebrou o primeiro ano de atividade desta publicação oferecemos muitas páginas que narram pontualmente os quase 172 anos de produção cultural vampírica no Brasil e também os primeiros clássicos do gênero que foram esquecidos. Oferecemos a versão anterior e menos atualizada deste artigo aqui e uma breve relação das primeiras obras vamps brasileiras bem aqui. Iniciativas assim contestam historicamente algumas pretensões veladas de certos autores da última década ou ainda dos anos noventa. Há bem mais de um século já havia uma produção cultural vampírica em terras brasileiras densamente influenciada pelos românticos e malditos europeus e os grandes clássicos que antecederam o Drácula de Bram Stoker.

Aliás o próprio universo ficcional do romance Drácula já conta com uma Prequel e a sequência oficial dentro do canone estabelecido do personagem desenvolvidas por Dacre Stoker e Ian Holt, falamos mais deles aqui) e comentamos algumas sequências bem imaginativas sobre o personagem aqui. Aliás o proprio Dacre é sobrinho bisneto do criador de Drácula e o criador da celebração mundial chamada de World Dracula Day, aqui no Brasil é realizada desde 2014 pela REDE VAMP, conheça aquiAparentemente a maior parte do segmento do terror brasileiro ainda precisa vencer o próprio auto-ódio e o gueto cultural que se deixam rodear e que permitem cercar boa parte do contexto que apreciam. Há ainda o tom de “pavão” e de auto-sabotagem nas próprias iniciativas principalmente no mercado literário. Assim como outros contextos o terror no Brasil ainda padece sobre “gênios criadores” que supostamente surgem do nada e de um público que desconhece a própria história de sua produção cultural. Há também a questão do preconceito (de terceiros, externos a cena) que insistem que tudo isso é mito importado, mas se ouvida da rica fauna fantástica local não catalogada como se deveria em livros do MEC. Em algum momento isso deve se desfazer, pois já está muito melhor do que foi um dia.

No meu livro Mistérios Vampyricos (Madras Editora, 2014) hoje praticamente esgotado depois de mais de 10.000 exemplares vendidos reconstituímos com maior detalhamento as últimas 4 décadas da produção cultural Vamp no Brasil de maneira fidelígna, bem documentada e influente – algo que infelizmente foi ausente até o momento no gênero local mais preocupado na maior parte dos casos em aparecer nos blogues alheios do que gerar conteúdo real e crível. Hoje neste artigo emprestaremos alguns trechos publicados no site da Revista Galileu que permitem vislumbrar grandes autores brasileiros e sua ligação com o gênero do terror e do horror, desenvolvido por um ficcionista chamado Oscar Nestarez, o artigo apresenta boas indicações. Indispensáveis eu pontuaria.

Álvares de Azevedo, o obrigatório

Sem dúvida, o santo padroeiro da literatura nacional de horror. Reconhecido como o maior expoente do movimento gótico e do ultrarromantismo em Terra Brasilis, o paulista Álvares de Azevedo conseguiu uma façanha, ainda que póstuma: sua coletânea Noite na taverna, publicada em 1855, inaugurou (e, para muitos, encerrou) a nossa tradição literária de horror.

Hoje, pelo teor noturno, violento e sobrenatural dos sete contos que compõem a obra, Álvares de Azevedo é figura obrigatória em qualquer lista do gênero. E a nossa não teria valor algum se não o tivesse por carro-chefe. *Além de sua vida ser contada em um dos trajetos do passeio cultural São Paulo Maldita, temos uma coluna inteiramente dedicada a sua vida aqui no Rede Vamp.

Aluísio Azevedo, o demoníaco

Não é muita gente que conhece a face negra deste nosso expoente dos chamados realismo e naturalismo literários. Mas o maranhense Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo, autor do clássico O Cortiço, escreveu também uma aterradora novela intitulada Demônios (1893).

Pelo enredo, você vai perceber que o emprego de “aterradora” não é impensado: a história começa com o despertar de um escritor em um dia incomum. As horas se passam e ele percebe que o dia não nasce. Há apenas a noite interminável. Sendo assim, ele parte para uma jornada que se torna mais e mais assustadora. Às cegas, sem qualquer luz, vai buscar sua amada Laura.

A procura resulta em um reencontro inesperado, que os transformará medonhamente. E mais não falaremos, para não estragarmos o prazer da leitura dessa história na qual Azevedo demonstrou enorme talento para criar suspense e provocar medo. Há trechos que não devem nada à pior das bad trips — verdadeiros pesadelos alucinógenos. Em uma palavra: imperdível.

Machado de Assis, o sádico

Diferentemente de Aluísio Azevedo, o lado noturno de “Machadão” é mais conhecido. Leitor ávido de Edgar Allan Poe (é famosa sua tradução para o poema O Corvo), em mais de um conto Machado demonstrou imensa capacidade de nos deixar assustados e aflitos.

É o caso de A causa secreta, relato publicado um pouco antes de Demônios, em 1885. Quem conhece a obra de Poe vai identificar algumas influências nessa história com memoráveis passagens de crueldade; mas há também aquela irresistível magia do Bruxo do Cosme Velho, que fazia parecer com que um apenas texto valesse por muitos.

Trata-se, em poucas linhas de aperitivo, da relação de um estudante de medicina com um excêntrico sujeito, chamado Fortunato (mesmo nome de um dos personagens de O barril de amontillado, de Poe). Os dois tornam-se amigos e até sócios, até que Fortunato revela sua natureza contraditória numa passagem que promete queimar suas retinas — com direito a tortura animal e tudo mais.

Graciliano Ramos, o repulsivo

Um moribundo num quarto de hospital descreve, com insuportável lucidez, o apodrecimento de seu corpo; a sanidade mental do narrador é colocada em questão, e ora deslizamos para o absurdo, ora para a consciência da carne que se degenera.

Assim é Paulo, conto do alagoano Graciliano Ramos publicado na coletânea Insônia, de 1947. No texto, o autor de Vidas secas demonstra assustadora familiaridade com os subterrâneos da mente de seu narrador, que delira, sofre, agoniza.

O relato muitas vezes foi interpretado de forma metafórica: no lugar da morte física, coloca-se a “morte” de valores morais e sociais, e a decrepitude da lucidez. No entanto, há uma certeza: é uma experiência de leitura inquietante, em que nada é o que parece.

Bernardo Guimarães, o assombrado

Sim, você leu certo: é o autor de Escrava Isaura, romance que depois virou uma das novelas televisivas mais bem-sucedidas da história. Mas, nos intervalos da redação desse famoso melodrama, o mineiro Bernardo Guimarães aproveitava para espreitar as trevas. E lá situou o conto A dança dos ossos.

Na verdade, ele o situou nos ermos entre Minas Gerais e Goiás. É num cenário rural e isolado que Guimarães coloca, ao redor de uma fogueira, homens rústicos que contam histórias uns para os outros. E uma dessas histórias, sobre o assassinato de um homem por algo que espreita na escuridão, é nada menos do que assombrada — e assombrosa. Por isso, merece a leitura.

Lygia Fagundes Telles, a mórbida

Curto e traiçoeiro: assim é Venha ver o por do sol, da escritora paulistana Lygia Fagundes Telles. A história foi publicada pela primeira vez em 1988 (na antologia “Venha ver o por do sol e outros contos”) e é tida por muitos como uma das mais poderosas da nossa literatura fantástica, e mesmo de horror. O curioso é que a trama se estende-se por apenas nove páginas; mas são nove páginas em que a tensão e a morbidez vão se intensificando com deliciosa sutileza.

Na história, uma moça chamada Raquel topa encontrar Ricardo, um ex-namorado. Ele a convida para ver o por do sol e a leva para um cemitério, onde se dará um desenlace arrepiante.
E, ao longo do trajeto, desfrutamos de todo o talento da autora: descrições breves mas muito precisas, prosa elegante e vários recursos retóricos que dão verossimilhança à história. Pois é, verossimilhança: a história torna-se ainda mais terrível quando constatamos o quão verdadeira ela nos parece. Leitura obrigatória!

R. F. Lucchetti, o incansável

O espaço aqui é curto; na intenção de traçar um panorama restrito mas abrangente, tivemos que deixar de fora outros grandes nomes que também resvalaram no horror — como Monteiro Lobato (com o conto Bugio Moqueado), Rubem Fonseca (com o relato grotesco Feliz Ano Novo), Humberto de Campos (com o conto Os Olhos que Comiam Carne), e tantos outros.

No entanto, a lista ficaria incompleta sem um dos mais prolíficos de nossos autores de horror: o paulista Rubens Francisco Lucchetti. Ainda ativo do alto de seus 87 anos, RF Lucchetti é autor de mais de mil e quinhentos livros. Sim, você leu certo: mil e quinhentos, além de 300 HQs e 25 roteiros de cinema.

Trata-se de uma verdadeira usina de produção ficcional — sendo que a imensa maioria dessa obra é de horror. Com títulos como Os Vampiros não fazem sexo, O abominável Dr. Zola, O museu dos horrores, As máscaras do pavor, e tantos e tantos outros, Lucchetti permanece como um dos poucos — pouquíssimos — autores que dedicaram toda a sua vida à produção literária do horror. E do entretenimento, também: com temas clássicos da literatura gótica e de horror, suas histórias divertem, acima de tudo. Ler um livro de RF Lucchetti é como voltar ao trem fantasma daquele parque a que íamos quando crianças.

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